domingo, 23 de março de 2014

Frestas

Tenho procurado a luz por frestas
Um traço na curva da silhueta de Deus,
O feixe na sombra da porta entreaberta,
O prisma roubado que o gigante acendeu.

Tenho buscado o ar por frestas
O casco de um navio parado no chão,
O caco de vidro de improvável janela,
O sim que se extrai espremendo-se o não.

E no entanto sou sentinela
O fôlego firme afia a visão
A brisa me informa, o brilho me espera
Onde tudo são frestas, nada é vão.

Tenho invadido lugares por frestas
Ralo, assoalho, duto, cancela,
Quarto, palácio, aviso de despejo,
O seu desejo, uma caravela.

Tenho dado vazão por frestas
Os raros momentos sem companhia,
O olhar montado em domado sorriso,
O sono, abandono e acolhida do dia.

E no entanto sigo indiviso
Por sobre o rompante eu sou união
Ser quase sereno em chegada e partida
Onde tudo são frestas, nada é vão.

E serei grato às minhas arestas
Em travessias estreitas, origem e destino
Mensageiras perfeitas do aviso ferino
De que todo limite liberta.

RF

(22/03/2014, 02h45 aprox.
23/03/2014, 22h49)